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AS ABADESSAS MITRADAS DA ORDEM DE SAÕ BENTO, COM PODERES “QUASE EPISCOPAIS”; UMA CURIOSIDADE DA IDADE MÉDIA.


As duas primeiras Abadessas que receberam o privilégio da mitra episcopal.


Dom Gilvan Francisco dos Santos, O.S.B

(Monge Beneditino)

Salvador, Bahia – 29 de abril de 2024

 

Sabemos que em toda a Idade Média (Séc. V-XV) houveram na história muitos fatos curiosos. Um dos quais, aqui apresento. Casos raros na história do cristianismo, principalmente nesse período em que as mulheres eram quase que excluídas dos trabalhos litúrgicos. Elas viviam praticamente em função dos clérigos. Não podiam pregar nas igreja; a leitura e erudição eram raras para elas. No entanto, apareceram mulheres fortes e eruditas que quebraram regras podemos dizer. Posso exemplificar sem erros a abadessa santa Jutta, O.S.B (+1136) mulher extremamente culta, a grande abadessa Santa Hildegard de Bingen, O.S.B (1098-1179), a quem foi concedido o privilégio de pregar nas catedrais, sucessora de Jutta no cargo abacial da qual herdou muita sabedoria, santa Gertrudes de Helfta, O.S.B (1256-1302), e tantas outras mulheres cultas e corajosas que viveram além de seu tempo.

 

Aqui veremos dois casos raros na história do cristianismo, referentes aos privilégios que a santa Sé concedeu a duas abadias “Nullius” (Territorial) de monjas da Ordem de São Bento, ou seja, um título até então não visto na história do cristianismo. Estas abadias foram fundadas nos dois países que eram muito importantes para a Igreja Católica na época. Uma delas situada na Espanha em Burgos, e a outra na própria Itália em Conversano. Privilégios que atualmente temos até dificuldade em entender, e conceber, porém, na época as pessoas tinham outra visão eclesiástica e de mundo.

 

A ABADIA DE SANTA MARIA LA REAL DE LAS HUELGAS de Burgos na Espanha, foi fundada pelo rei Afonso VIII de Castela, (*1155 +1214), e pela rainha Dona Leonor de Aquitânia (*1161 +1214), no ano do Senhor de 1187, sendo este uns dos mais antigos mosteiros femininos da Ordem de Cister (Cistercienses) da Espanha, e o mais importante do reino de Castela. Porém, a primeira fundação feminina da Ordem de Cister, foi o mosteiro de Santa Maria de la Caridad de Tulebras, fundado no ano do Senhor de 1157.

 

Com a construção do mosteiro de Santa Maria de Las Huelgas, o desejo do rei Afonso era construir um Pantheon para ele mesmo e os seus descendentes, bem como para que a família real tivessem um lugar para fazerem seus retiros. Por sua vez, o objetivo da rainha Dona Leonor era criar uma Abadia onde as mulheres alcançassem uma autoridade comparada a dos homens, e em consonância com a vontade do rei, também ela desejava um lugar onde a família real pudessem fazer seus retiros. Essa era a insistência da rainha. Portanto, no ano do Senhor de 1187 eles fundaram o tão esperado e desejado mosteiro, o qual recebeu o nome de SANTA MARIA LA REAL DE LAS HUELGAS, vindas para a nova fundação, monjas do mosteiro de SANTA MARIA DE LA CARIDAD DE TULEBRAS (Navarra), o mais antigo mosteiro feminino da Ordem de Cister na Espanha, fundado no ano do Senhor de 1157.

 

Santa Maria la real de Las Huelgas, sendo uma Abadia “Nullius”, ou seja, uma Abadia Territorial, a superiora do mosteiro recebeu do Papa Clemente III (*1130 +1191) um poder “quase episcopal.

 

Como bem sabemos, na Idade Média existiam muitas mulheres que tinham grandes posses e eram soberanas, porém, em relação ao poder eclesiástico, este era limitado. Quem detinham o poder na Igreja era o Papa, os bispos em suas dioceses e os abades em seus mosteiros. A mitra era o símbolo desse grande poder eclesiástico que a Igreja concedia aos bispos, abades e outros prelados.

 

Mas, um caso raro na história da Igreja acontece na Espanha em pleno século XII. Uma superiora abadessa da Ordem de São Bento, pela primeira vez, na história do cristianismo, recebe do Papa o poder da mitra, exceto o poder de celebra missas e confessar, ou seja, essa superiora recebeu um poder “quase episcopal”. A Abadessa tinha o privilégio, inclusive, o de solicitar o beijo de mão obrigatório para o clero e toda a população do seu feudo. O que causava grande desconforto ao clero diocesano. Com isso havia um certo embate entre o clero e o mosteiro das monjas.

 

A primeira superiora da Abadia de Santa Maria de Las Huelgas a receber esse privilégio da Sé Apostólica, foi a Rev.da Madre Abadessa DONA MISO, O.Cister, que teve o seu cargo abacial de 1187 a 1190. E, posteriormente as suas sucessoras continuaram recebendo os mesmos privilégios, provavelmente até o século XIX quando os títulos e privilégios eclesiásticos foram se extinguindo através de decretos.

 

Estas poderosas abadessas tiveram o privilégio do uso da mitra episcopal e dos abades, concedido por Roma, podendo usa-las nas cerimônias da Abadia. Elas eram mulheres da realeza, mulheres nobres e da alta aristocracia e, devido ao seu grande poder soberano e administrativo, em sua região, receberam tais privilégios eclesiásticos. Vejamos alguma figuras emblemáticas da história da Abadia de Las Huelgas que receberam tal privilégio. Sendo a primeira delas:

 

- REV.DA MADRE ABADESSA DONA MISO, O.Cister, (cargo abacial – 1187-1190), primeira abadessa mitrada do Mosteiro de Santa Maria la Real de Las Huelgas. Abadia “Nullius” em Burgos – Espanha.

 

- REV.DA MADRE ABADESSA DONA LEONOR DE MENDONZA, O.Cister, (cargo abacial – 1486-1499), abadessa mitrada do Mosteiro de Santa Maria la Real de Las Huelgas. Abadia “Nullius” em Burgos – Espanha.

 

- REV.DA MADRE ABADESSA DONA LEONOR SARMIENTO, O.Cister, (cargo abacial – 1529 -1536), abadessa mitrada do Mosteiro de Santa Maria la Real de Las Huelgas. Abadia “Nullius” em Burgos – Espanha.

 

- REV.DA MADRE ABADESSA DONA FRANCISCA MANRIQUE, O.Cister, (cargo abacial – 1570 -1582), abadessa mitrada do Mosteiro de Santa Maria la Real de Las Huelgas. Abadia “Nullius” em Burgos – Espanha.

 

- REV.DA MADRE ABADESSA DONA MARIA ANA DE ÁUSTRIA, O.Cister, (*1568 +1629) – (cargo abacial – 1611-1629), abadessa mitrada do Mosteiro de Santa Maria la Real de Las Huelgas. Abadia “Nullius” em Burgos – Espanha. Dona Ana de Áustria foi a mais conhecida por entrar no período do barroco. A partir do abaciado de Dona Ana de Áustria, as abadessas eram eleitas por período de três anos.

 

- REV.DA MADRE ABADESSA DONA ANTONIA JACINTA, O.Cister, (cargo abacial – 1653 -1656), abadessa mitrada do Mosteiro de Santa Maria la Real de Las Huelgas. Abadia “Nullius” em Burgos – Espanha.

 

Estas mulheres eram bem formadas e muito cultas, sendo assim, elas possuíam um grande poder administrativo no mosteiro e fora dele. Na imponente sala capitular da Abadia de Las Huelgas, encontram-se as belíssimas pinturas em grandes dimensões, dessas importantes abadessas, as quais foram mulheres de extraordinária sabedoria, cultura e com poderes espirituais na regência da sua comunidade e do seu feudo.

 

 

ABADIA DE SÃO BENTO DE CONVERSANO 

A Abadessa mitrada do Mosteiro de São Bento.

Abadia “Nullius” em Conversano, (Puglia) – Itália.

 

Outro segundo caso do privilégio da mitra, ocorreu no influente MOSTEIRO DE SÃO BENTO DE CONVERSANO na Itália; mosteiro que foi construído a partir do século VI.

 

No século XIII, precisamente no ano do Senhor de 1266 a Sé Apostólica, através do decreto Praelatura nullius Diocesis, concedeu ao mosteiro o poder de jurisdição “quase episcopal. Similar àquele dado a abadia de Santa Maria la Real de Las Huelgas em Burgos na Espanha.

 

Nesse ano de 1266 chega ao mosteiro monjas da Grécia e da Romênia e entre elas membro família imperial de Constantinopla. Tendo à frente da comunidade como superiora a Rev.da Madre Abadessa DAMETTA PALEOLOGO, O.S.B, falecida no ano de 1270, a qual lhe foi concedido pela Santa Sé Apostólica o mesmo privilégio de jurisdição “quase episcopal”, ou seja, o poder da mitra diocesana, o mesmo privilégio que tinha concedido no século XII, pelo Papa Clemente III, a Abadia de Santa Maria la Real de Las Huelgas em Burgos na Espanha. O Mosteiro de São Bento de Conversano recebeu esse privilégio, devido ao poder territorial da Abadia “Nullius” em Conversano, na Puglia – Itália. Por essa razão, o mesmo título foi-lhe concedido.

 

A Abadessa Dametta Paleologo, foi a primeira na Itália a receber do Papa Clemente IV, (+1190 +1268) no ano de 1266 o privilégio do uso da mitra episcopal e dos abades. Um privilégio concedido devido ao seu grande poder soberano e administrativo à frente da renomada abadia de São Bento, na região de Apuglia, e, por esse motivo, a mesma abadessa recebeu o título de Colosso della Puglia, (Monstrum Apuliae), (admiração da Puglia).

 

Roma concede tal privilégio ao mosteiro, porque as monjas daquela Abadia muitas vieram da Grécia e da Romênia, das famílias nobres do reino e da família imperial de Constantinopla, as quais tinham grandes riquezas era cultas e eram poderosas, bem como pelos trabalhos oferecidos pelo mosteiro. Sabemos bem que a Ordem de São Bento deu grande contribuição à Igreja de Roma e ao mundo.

 

A Abadessa tinha outros privilégios, inclusive o de solicitar o beijo de mão obrigatório para o clero e toda a população do seu feudo, como ocorria na abadia de Las Huelgas na Espanha. O que causava grande desconforto ao clero diocesano. Portanto, com a não aceitação de membros do clero havia um certo embate entre a comunidade monástica de Conversano e a diocese.

 

Durante cerca de seis séculos, o mosteiro desfrutou de considerável prosperidade econômica até que, em 1810, o rei de Nápoles, Joaquim Murat, iniciou o processo de supressão de muitos mosteiros e ordens religiosas, retirando assim o poder “quase episcopal” do mosteiro de Conversano.

 

“O historiador Domenico Morea escreveu sobre “uma abadessa de mitra e báculo, que durante cinco séculos, de 1266 a 1810, exerceu jurisdição feudal e eclesiástica sobre o clero e o povo das grandes terras de Castellana”, que lhe devia obediência e submissão.

 

As frequentes disputas jurisdicionais com o seu clero e com os bispos de Conversano, das quais as abadessas sempre saíram vitoriosas, são uma confirmação crescente disso. Os bispos e o clero não gostavam de ser submissos a uma mulher, mas nunca conseguiram arrancar-lhe “o báculo”. Mulheres poderosas, de origem nobre, protegidas pela Santa Sé”. https://borgorosato.it/ 

 

Inclusive foi lançado um excelente filme documentário em 2015 sobre a Rev.da Madre Abadessa Dona Maria Ana de Áustria, com o título: Die Abtissin: Eine frau Kämpft um die Macht. (cf. link nas referências).






Cena do filme documentário: 

Die Abtissin: Eine frau Kämpft um die Macht

(cf. link nas referências).


REFERÊNCIAS

 

 

REFERÊNCIAS AUDIO-VISUAIS

 

- DOCUMENTÁRIO: Die Äbtissin (Dokumentation) 14.12.2015 ZDF

 

- 6 de mar. de 2016

0:00 Die Äbtissin - Eine Frau kämpft um die Macht

Noch im 19. Jahrhundert sollen Frauen in der katholischen Kirche höchste Ämter bekleidet haben. Ihre bischöfliche Macht stand unter dem direkten Schutz von Kaisern, Königen und Päpsten. Es sind Äbtissinnen der reichsfreien Klöster und Stifte in ganz Europa. Hubert Wolf, katholischer Theologe und Autor, macht sich exklusiv für das ZDF auf die Suche nach der verlorenen Macht der Äbtissinnen und entdeckt dabei Erstaunliches.

Acessado em dezembro de 2023.

 

- Transmitido ao vivo em 10 de mai. de 2022.

Ciclo de conferencias "Espacios femeninos en los Monasterios Reales"

Ponente: María Jesús Herrero Sanz, conservadora del Monasterio de Santa María la Real de Las Huelgas.

Acessado em fevereiro de 2024.

 

- 31 de mai. de 2022. - Las claves de la ponencia de María Jesús Herrero, conservadora del Monasterio de Santa María La Real de Las Huelgas (Burgos), en el marco del ciclo "Espacios femeninos en los Monasterios Reales".

Acessado em fevereiro de 2024.

 

Ut In Omnibus Glorificetur Deus (RB 57,9

 

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